As finanças do Internacional: O Clube mais ineficiente do futebol brasileiro se complica
Ainda em abril de 2017, no início de sua gestão, o presidente Marcelo Medeiros reuniu a imprensa para dar um diagnóstico da condição financeira do Internacional – rebaixado para a segunda divisão por seu antecessor, Vitorio Piffero. O novo mandatário acabara de fazer uma faxina no elenco colorado, com as saídas de 26 jogadores – entre eles o meia Alex, que fizera sucesso no próprio Inter nos anos 2000, e o meia Anderson. Ambos caros. Era de se esperar que as dispensas fossem baixar os custos do clube e prepará-lo para um ano modesto. Que nada. Medeiros mandou ver em aquisições de atletas ainda mais caros. “A folha subiu porque a folha do ano passado nos rebaixou. A estratégia daquela folha nos levou para a segunda divisão”, defendeu o cartola diante dos jornalistas. Medeiros conseguiu o improvável. Degradou as contas coloradas, tornou o time ainda mais ineficiente e não conseguiu nem ser o melhor da Série B.
Todo grande clube rebaixado para a segunda divisão aproveita a humilhante temporada do descenso, ao menos, para reavaliar as finanças. Não existe a menor necessidade de gastar aquilo que se despende na elite. Para que se tenha ideia da disparidade, o América-MG foi campeão da Série B em 2017 com uma folha salarial de R$ 10,5 milhões. Por ano! Também promovido, o Paraná gastou R$ 5,2 milhões com salários e direitos de imagem. Junto do Ceará, que não detalha adequadamente seus gastos, essas foram as equipes que se deram bem na tabela – o que torna justa a dedução de que os demais adversários gastaram ainda menos do que isso. O Internacional achou que a sua folha da temporada fracassada de 2016, de R$ 119 milhões, era baixa para ganhar a segunda divisão. Medeiros a elevou para R$ 139 milhões – 13 vezes maior do que a do América-MG e 26 vezes maior do que a do Paraná. E nem assim foi campeão.
Em paralelo, houve baixa na arrecadação. O contrato de televisão rendeu aquilo que fora negociado com a Globo quando se pensava na primeira divisão, sem nenhum desconto por causa do rebaixamento. As demais entradas de dinheiro foram problemáticas. O quadro social colorado, alicerce que fez dele um dos times de futebol mais bem-sucedidos dos anos 2000 com seus mais de 100 mil sócios, rendeu menos do que no ano anterior. Os licenciamentos administrados pelo marketing também caíram, outro destaque contumaz do clube. Era óbvio que receitas acabariam estagnadas ou retraídas. Fora o fato de que a economia brasileira continuou a penalizar os cidadãos, não havia motivo para que qualquer linha de receita subisse na segunda divisão. Os jogos da Série B têm menos atratividade para o torcedor que se acostumou a frequentar o Beira-Rio com a equipe na parte de cima da tabela da Série A.
Outro motivo pela contenção de despesas em plena segunda divisão estava nas transferências de atletas – ou, melhor, na falta delas. O Internacional se habituou a tirar muito dinheiro dos talentos que revelou e exportou em seus momentos vitoriosos. Entre 2006 e 2015, os colorados contabilizaram uma média de R$ 68 milhões por temporada com essas vendas. A equipe chegou a fazer R$ 124 milhões em 2013, graças às saídas de Leandro Damião para o Santos e de Fred para o Shakthar Donetsk – o meia que agora disputará a Copa do Mundo de 2018 com a seleção brasileira. Essa máquina de fazer dinheiro quebrou. Ela gerou R$ 20 milhões em 2016 e R$ 26 milhões em 2017. Como esta era uma receita que seus dirigentes contavam para fechar o orçamento no azul, este orçamento ficou para lá de vermelho quando ela deixou de entrar no caixa. De novo, era previsível que o clube não fosse conseguir recursos com vendas de jogadores na Série B. O elenco que o rebaixou no ano anterior estava tão desvalorizado que o próprio Medeiros, quando chegou, livrou-se de 26 atletas em somente dois meses de gestão.
O Internacional gastou mais. Arrecadou menos. Não deu outra. Todos os indicadores financeiros pioraram de uma temporada para outra. A partir do momento em que faltou dinheiro para arcar com despesas, a direção colorada se viu forçada a endividar o clube. No total, os R$ 357 milhões devidos ao término de 2017 representam a maior dívida da sua história. E o numerão é mais grave do que parece. Aqui é preciso quebrá-lo partes para que se entenda como ele prejudica a rotina da administração. Uma distinção possível é a de curto e longo prazos. Quanto disso precisa ser quitado em curto prazo, no decorrer de 2018? Cerca de R$ 200 milhões. 56% do total. Basta comparar essa parte da dívida com o faturamento recorrente colorado, na casa dos R$ 220 milhões por ano, sem considerar vendas de jogadores nem luvas por novos contratos de televisão, para que se chegue à conclusão de que a dívida é impagável. E só estamos falando daquilo que será cobrado em 2018, não da dívida inteira.
Outro jeito de picotar o endividamento é pelo tipo de credor. Do total, 31% são devidos para o governo e estão equacionados pelo Profut, programa instituído em 2015 que permitiu a times de futebol renegociar e parcelar impostos não pagos nas décadas passadas. Esta não é uma parte da dívida que Medeiros tem motivos para temer, desde que mantenha os pagamentos das parcelas em dia. A dívida fiscal representa só um terço do total. Outros 30% incluem dívidas trabalhistas, resultado de ex-funcionários que ficaram sem receber os salários que lhes foram prometidos e abriram ações judiciais para enfim recebê-los. Este é um tipo perigoso porque, se não houver um acordo, a Justiça tem poder de penhorar receitas. Muitos times brasileiros passam por essa situação. Dirigentes veem a grana ser tomada por credores antes mesmo que ela chegue à conta bancária. É por isso que dívidas trabalhistas não podem sair do controle. Elas têm poder de sufocar o fluxo de caixa, que por sua vez acarreta atrasos em salários do elenco atual, que por sua vez entra na Justiça para receber o que lhe foi prometido. Vira uma bola de neve.
Outra bola de neve da qual o Internacional entende é a bancária. Sabe como Medeiros pôde acertar as contas ao término de 2017, com um orçamento que gastou mais do que arrecadou? Com empréstimos bancários. Ao longo da temporada, o dirigente contraiu R$ 55 milhões em novos empréstimos e pagou R$ 27 milhões dos que estavam para vencer. Entre aquilo que foi captado e aquilo que foi quitado, existe uma diferença de R$ 28 milhões, certo? É exatamente esta a quantia que foi acrescentada para o endividamento colorado. Este é um tipo de dívida do qual não há escapatória. Gerente de banco sabe que clube de futebol não tem crédito na praça, então toma duas precauções para liberar o financiamento: primeiro, sobe a taxa de juros para compensar o risco que está assumindo; segundo, pega contratos de televisão como garantia de pagamento. Se o Inter não chegar com o dinheiro na data combinada, o banco mostra o contrato da Globo e fica com as verbas dos direitos de transmissão para ele sem que elas passem pelo caixa do clube. Assim como a trabalhista, essa é outra dívida com a qual dirigente nenhum devia exagerar. A administração colorada vem abusando dela.
Das cartas que poderia colocar na mesa para equilibrar a desordem financeira, o clube gaúcho já usou a maioria. Em 2016, o então presidente Piffero vendeu antecipadamente os direitos de transmissão em TV fechada para o Esporte Interativo pelo biênio de 2019 e 2020. No mesmo ano, acertou a venda dos direitos de todas as plataformas para a Globo pelo período de 2021 a 2024. Os R$ 61 milhões recebidos em luvas, bônus pelas assinaturas dos contratos, foram imediatamente consumidos pelo orçamento estourado. Não seria uma decisão trágica se, ao mesmo tempo em que recolheu verbas de temporadas seguintes, o cartola tivesse ajustado as contas do clube para romper o ciclo vicioso. Não foi o caso do Internacional. Piffero vendeu a maior parte dos direitos e deixou um orçamento descompassado entre receitas e despesas. Medeiros teve a oportunidade de reduzir custos quando chegou, mas decidiu elevá-los, apesar de jogar a segunda divisão. A única propriedade de mídia que lhe restou foram os direitos de TV aberta e pay per view para o biênio de 2019 e 2020, estes negociados no início de 2018.
O Inter chegou a 2018 com uma das temporadas mais desafiadoras de sua história. Nas finanças, o que seu orçamento projeta não anima. O documento elaborado pelo departamento financeiro conta com R$ 55 milhões em jogadores vendidos, mais as expansões de várias receitas ordinárias, para que o ano termine com um déficit de “apenas” R$ 29 milhões. Isso apesar de uma redução das remunerações do futebol, para R$ 125 milhões, em relação ao que se viu na segunda divisão. É difícil tirar dos números motivos para otimismo. No campo, o retorno à primeira divisão lhe devolve o potencial de expandir receitas com marketing, bilheterias e associados. Desde que o futebol funcione, claro. No Campeonato Gaúcho, a equipe caiu nas quartas de final para o arquirrival Grêmio e assistiu às semifinais e à final pela televisão. Na Copa do Brasil, foi eliminada nos 16 avos de final para o Vitória nos pênaltis – derrotada para variar por um adversário de reduzida capacidade financeira. Restou o Brasileirão. O Internacional precisa desesperadamente de eficiência nele para começar a clarear seu futuro. As informações são do Site epoca.globo.com.
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